sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Strange Fruit


Clementina de Jesus

Clementina era de Jesus mas também era da Silva. A cara preta do Brasil. Empregada doméstica, seu pai era violeiro e a mãe, de sangue e de santo, entoava pontos, ladainhas, jongos e partidos. Quelé, alcunha que recebera ainda na infância, transpirava cultura africana e a adolescência em Oswaldo Cruz foi marcada pela participação no bloco carnavalesco As Moreninhas e pelas apresentações nas rodas de samba da Portela, agremiação que teve que deixar de freqüentar anos mais tarde por conta de seu casamento com um tradicional mangueirense da época, Albino Pé Grande. Como se a razão, geográfica, machista, imperativa ou não, pudesse impedir um grande amor. Bobagem.

Só em 64, depois de uma vida limpando e ordenando os nobres lares da zona zul carioca, o poeta e compositor Hermínio Bello de Carvalho a convidou para fazer um concerto ao lado do violonista Turíbio Santos, numa aventura já incensada àquela altura, que objetivava reunir manifestações musicais populares e eruditas, uma performance crossover. Ela aceitou, mas o público refutou e o projeto minguou. Um ano depois se daria o lançamento definitivo de Quelé como cantora. Nascia uma sexagenária estrela. Tudo a seu tempo. E de cara, dividia palco com parceiros contumazes de Hermínio: Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Araci Côrtes.

O samba-homenagem composto por Medeiros intitulado Clementina, cadê você?, arremessa–nos ao abismo da dúvida. E para amesquinhar o sofrer, tomamos a liberdade de responder ao autor e a todos os que compartilham da mesma: Clementina deve estar em Dacar, no Senegal, cidade que abrigou sua grave voz no Festival de Arte Negra, realizado por lá em 66, um marco. Pois se D`África vem, Pr`África retorna. Seu lamento ainda ecoa, ressoa na semente do samba, benguelê de Angola, onde o boi não berra, sofre sem queixumes e aguarda a sua vez.

Abaixo, Hermínio declara toda a sua devoção a quem chamava de Pixinguinha de rendas e introduz um samba que compôs em parceria com o portelense Paulinho. Sei lá, mangueira.

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